Indígena Kokama segue isolada em abrigo de Manaus à espera de laudo da Funai para deixar semiliberdade

  • 12/09/2025
(Foto: Reprodução)
Indígena Kokama Junio Matos/DPE-AM Mais de um mês após decisão judicial que autorizou o regime de semiliberdade para uma mulher indígena da etnia Kokama, ela segue isolada em um abrigo em Manaus. A transferência para a nova casa depende de um laudo da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que ainda não se manifestou. A indígena foi vítima de violência dentro de uma delegacia no interior do Amazonas. A mulher indígena foi submetida a condições desumanas durante o cumprimento de pena privativa de liberdade em Santo Antônio do Içá. Condenada, a mulher de 29 anos de idade cumpriu mais de nove meses da pena na 53ª Delegacia Interativa de Polícia de Santo Antônio do Içá, onde enfrentou graves violações de direitos humanos, incluindo tortura e sucessivos estupros por parte de policiais militares e guarda municipal. A indígena já recebeu as chaves da casa cedida pelo Governo do Amazonas, após acordo judicial. No entanto, só poderá se mudar com autorização da Funai, que precisa emitir um laudo técnico — ainda pendente. O g1 solicitou nota da Funai. Na quarta-feira (10), ela esteve na sede da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) e se reuniu com os defensores Theo Costa, do Núcleo de Atendimento Prisional, e Roger Moreira, da Defensoria Especializada em Direitos Humanos e Grupos Vulneráveis. 📲 Participe do canal do g1 AM no WhatsApp 📱Baixe o app do g1 para ver notícias do AM em tempo real e de graça Ela pediu urgência na mudança para a nova casa, onde pretende morar com a irmã de 27 anos, que trata um câncer agressivo, além da mãe, padrasto e dois filhos — um de 13 anos e outro de quase três. A indígena não vê os familiares desde que foi transferida de Santo Antônio do Içá para Manaus. A irmã passou por uma cirurgia, que incluiu a retirada do útero e do reto, e recebeu alta no domingo (7). Ela está hospedada em um hotel no Centro de Manaus e depende de sondas para se alimentar e realizar funções básicas. Após a reunião, a indígena e os defensores visitaram a irmã no hotel, acompanhados por uma representante da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Amazonas (Sejusc). A mãe, o padrasto e os filhos da indígena devem chegar a Manaus nesta sexta-feira (12). Sem apoio dos órgãos responsáveis, parte das passagens foi paga pelo defensor público Roger Moreira, com recursos próprios. LEIA TAMBÉM: Indígena que denunciou ter sido estuprada por PMs em delegacia no AM fala pela primeira vez: 'Trauma para sempre' Indígena estuprada em delegacia no Amazonas receberá auxílio social e moradia após acordo com Estado, diz defensoria Justiça determina que indígena estuprada em delegacia cumpra pena em semiliberdade no AM Reencontrar a família Ela diz que sua maior preocupação é reencontrar a família. “Minha irmã passou por uma cirurgia delicada e está precisando da minha ajuda. Minha mãe e meus filhos estão chegando também”. Ela reforça o pedido à Justiça para estar com a família. “A Defensoria Pública já informou ao juízo da Vara de Execução Penal sobre essa situação”, disse. Para o defensor Theo Costa, a decisão judicial que deveria beneficiar a indígena está, na prática, prejudicando sua situação. Segundo Costa, a Defensoria pediu prisão domiciliar e teve parecer favorável do Ministério Público. No entanto, o juízo da Vara de Execuções Penais optou por aplicar o regime de semiliberdade previsto no Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973), que exige supervisão da Funai. A Funai, porém, não foi chamada para discutir os termos antes da decisão. Sem o laudo do órgão, a indígena segue no abrigo, mesmo já tendo uma casa disponível. “O Estado já cumpriu sua parte, entregando a residência. Mas ela continua isolada, por falta de ação da Funai”, afirmou Costa. No início do mês, a Defensoria informou à Justiça sobre a situação da irmã e pediu autorização para a mudança. Até agora, não houve resposta. Costa alerta que o atraso causa prejuízos à indígena e à família. “Ela teve que usar suas economias para ajudar a irmã, mesmo tendo uma casa pronta. É uma incoerência provocada pela demora judicial”, disse. A Defensoria também acionou órgãos federais para proteger os familiares da indígena, que estavam sofrendo ameaças em Santo Antônio do Içá. Um ofício foi enviado ao Ministério dos Direitos Humanos e à Funai, pedindo a transferência da família para Manaus. Segundo Costa, a Funai não foi ao local verificar a situação. “Isso afeta diretamente o emocional da indígena, que sabe que os filhos estão em risco”, disse. A indígena afirma que a Funai prometeu ajudar, mas não cumpriu. “Disseram que iam trazer minha família, mas não trouxeram. O doutor Roger teve que pagar do próprio bolso”, contou. Ela também diz que está arcando com os custos da irmã, mesmo tendo uma casa cedida pelo Estado. “A Funai está impedindo minha ida para minha residência. Preciso de uma decisão da Justiça”, afirmou. O defensor Roger Moreira diz que a DPE-AM está preocupada com o bem-estar da indígena. “Ela deixou um bebê que amamentava quando sofreu uma das violências mais cruéis que uma mulher pode enfrentar”, disse. “A minha preocupação, claro, como defensor, tentando ajudar nos processos, peticionando, mas acima de tudo é como ser humano. Eu busquei resolver junto com a Funai pelos meios normais, que é o contato, a parte burocrática, mas assim, sinceramente, burocracia não resolve muita coisa”, afirma. O defensor disse que resolveu ajudar quando percebeu que “não havia esse ânimo de resolver na presteza que um caso como esse merece e vendo o sofrimento, principalmente da mãe, preocupada com duas filhas que estão em Manaus”. Roger Moreira pagou, com recursos próprios, parte do deslocamento da família da indígena para Manaus. “Eles já tinham metade do dinheiro das passagens e eu ajudei com outra metade para trazer essa família para cá. Até porque, tínhamos conhecimento de que havia pressão nessa família lá em Santo Antônio do Içá por parte de algumas autoridades. Então, assim, para evitar também isso, nós achamos que ela estaria melhor, assim, com a com a com essa reunião familiar”. A ideia, disse o defensor, é garantir uma base de sustento socioemocional para ela. “Você, quando você tá perto da sua família, é uma coisa. Quando você está longe de quem você ama, quando você está sozinho, você olha para o lado, você não tem para quem nem chorar. quem se sustentar”, diz. De acordo com Roger Moreira, a DPE-AM atua para garantir que a indígena obtenha “tudo aquilo que as autoridades que se comprometeram a dar para ela no dia 29 de julho, em reunião aqui na Defensoria Pública”. Passo para recomeçar Reunir a família novamente, para a indígena, significa um recomeço. “ A expectativa está muito grande para reencontrá-los. Vocês não têm noção de como está dentro do meu coração saber que eles estão mesmo no rio vindo para cá. É uma benção. Depois de tudo que aconteceu, é uma vitória estar perto da minha família, das pessoas que eu amo”. Entenda o caso Durante o período em que esteve detida na delegacia, a indígena, que estava em resguardo e lactante, foi forçada a realizar trabalho externo de oito horas diárias, sem folgas, em condições degradantes. Além disso, ela e o filho recém-nascido foram mantidos em uma cela mista, expostos a situações de violência e abuso. O tratamento resultou em sérios problemas na saúde mental e física da indígena, incluindo Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e necessidade de cirurgia para tratar hemorroida em estágio crítico. Investigações conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Amazonas (MP-AM) resultaram em denúncias contra cinco policiais militares e um guarda municipal da cidade. Laudos periciais confirmaram a presença de vestígios de violência sexual, além de lesões físicas compatíveis com os relatos da vítima. A situação da unidade policial também foi reconhecida em ofícios oficiais da própria Justiça local, que admitiram que a delegacia não possuía estrutura adequada para custodiar mulheres. Apesar disso, a transferência da indígena para Manaus só ocorreu após quase 10 meses, agravando seu estado físico e emocional, mesmo com sucessivos pedidos da Defensoria pela sua transferência. A denúncia de estupro chegou ao conhecimento da Defensoria Pública em 28 de agosto de 2023, um dia após a transferência da vítima para a Unidade Prisional Feminina de Manaus. Ela foi presa em 11 de novembro de 2022, por sentença condenatória a 16 anos e 7 meses de reclusão por crime hediondo, ao buscar a delegacia para fazer uma denúncia de violência doméstica. Na ocasião, não houve audiência de custódia, nem comunicação à Defensoria, em violação a garantias fundamentais. Ainda sem ter sido formalmente intimada da prisão na ocasião, a Defensoria Pública atuou de forma imediata no caso por manter acompanhamento constante e sistemático dos processos envolvendo pessoas custodiadas. Assim que identificou a presença de uma mulher presa com um recém-nascido, em dezembro de 2022, protocolou um pedido de prisão domiciliar, reiterado diversas vezes. Em agosto, a DPE-AM protocolou um requerimento solicitando ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva indulto humanitário, com pedido alternativo de comutação de pena.

FONTE: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2025/09/12/indigena-kokama-segue-isolada-em-abrigo-de-manaus-a-espera-de-laudo-da-funai-para-deixar-semiliberdade.ghtml


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